sábado, 5 de abril de 2003

Entre a paz e a guerra.







Nos tempos antigos a Guerra era um evento glorificado. Mas o próprio
conceito de guerra era bem diferente do que foi estabelecido no século
passado. Da antiguidade até o séc. XIX, de Alexandre à
Napoleão, as grandes batalhas de campo não duravam mais de um
dia. As guerras eram quase lendárias já que poucos viam de perto
a destruição, eram narradas de maneira quase mítica. Dos
sumérios ao Império Britânico os guerreiros eram heróis
que ocupam locais de prestígio na pirâmide social. O combate também
dependia essencialmente do valor individual, do treinamento, da disciplina,
das táticas, e menos da tecnologia. Isso tudo mudou com a primeira guerra
mundial, com o advento da "guerra total". Todo o país passava
a sofrer os efeitos da guerra. Os avanços tecnológicos determinaram
um aumento gigantesco no potencial destrutivo. A população civil
passou a sentir os efeitos da guerra como nunca antes. Tal realidade ocorreu
devido a um complexo contexto envolvendo novas ideologias nacionalistas, novas
doutrinas militares, e novas tecnologias. Os exércitos tornaram-se verdadeiras
maquinas de matar. Possivelmente, o grande aumento no numero de vidas humanas
destruídas pela guerra pode ter sido o gerador da idéia de pacifismo,
ou seja, de que a guerra não valia a pena.








align=right bgcolor="#3366CC" width="215">








Poster frances da primeira guerra mundial






Ao invés de argumentar abstratamente contra a guerra, diversos autores
escolheram o caminho da narrativa dramática, percebendo ser este uma
melhor mídia para o sentimento anti-guerra. Destaco o livro "Nada
de novo no Front Oriental", de Erich Maria Remarque, baseado em suas experiências
como soldado, o filme australiano "Gallipoli", de Peter Weir, e "Glória
feita de sangue" de Stanley Kubrick. "Nada de novo..." deu origem
a dois filmes, cada qual com sua importância específica. O primeiro,
dirigido em 1929 por Lewis Milestone, e o segundo, em 1979 por Delbert Mann.
Esta obra mostra claramente o choque entre os sonhos idealistas dos que iam
a guerra em busca de gloria e a realidade terrível das trincheiras. O
absurdo desperdício de vidas humanas nos dos ataques em massa, os soldados
abatidos aos montes, e a absoluta falta de motivo geram uma desconfortável
sensação de repulsa. Questiona-se, afinal, o que um soldado alemão
tinha, pessoalmente, contra um francês? Houve caso de soldados dos países
beligerantes jogarem uma partida de futebol improvisada na "terra de ninguém"
nos intervalos entre as batalhas e os bombardeiros. Uma hora estão jogando
uma pelada, pouco depois estão se matando, tudo em nome do Estado.


Nacionalismo. Essa é a palavra chave, a principal ideologia da primeira
guerra. O Estado é tudo, o país é tudo, todo sacrifício
é valido. Sobre certo aspecto, era a ideologia de facto única,
com poucas variações. Mesmo a pretensão sobre outros estados
era justificada pelo nacionalismo: a Alemanha planejava controlar países
da Europa oriental por via do "pan-germanismo", enquanto o Império
Russo, utilizava-se, para o mesmo fim, do "pan-eslavismo". Mas a teoria
não importa, é apenas uma justificativa, um elaborado pretexto
para se obter um resultado, ou seja, justificar uma ação do Estado.
Não se lutava pelo Rei, por religião, ou por um ideal, mas pelo
Estado, uma entidade que se pretende onipotente sobre seus cidadãos,
abertamente dispondo de suas vidas e da de seus filhos. Os que tentavam escapar
eram fuzilados como desertores. Os que se recusavam a lutar nos campos de batalha
eram fuzilados como traidores. Sobre essa situação trata "Glória
feita de Sangue", onde se narra uma tentativa de evitar a execução
de soldados franceses que se recusaram a lutar em um fútil ataque. Para
o Estado, o desejo de sobrevivência, ou a ausência do desejo de
morrer por seu nome, é tratado como "Covardia".


"Gallipoli" trata com maestria da futilidade e do puro desperdício
de vidas humanas no dia a dia dos combates. Narra com precisão como a
modorrenta maquina burocrática estatal esmigalha pessoas entre suas engrenagens.
O que vale são as ordens, custe o que custar. Em determinada batalha,
após um pesado bombardeiro, as trincheiras inimigas estão confusas
e desprotegidas, propiciando chances idéias de ataque. Entretanto, o
oficial recusa-se a autorizar o ataque imediatamente por faltarem segundos para
o horário exato da ordem recebida. Durante a espera inútil e estúpida,
os inimigos vão rapidamente reocupando posições defensivas,
preparando armas e apontando as metralhadoras. Quando o ataque é autorizado,
a tropa é previsivelmente dizimada. O desfecho brutal também é
profundamente metafórico, afinal, mais valem alguns segundos, um carimbo,
uma cópia autenticada, uma certidão original em três vias,
do que uma vida humana.


Nenhum das três histórias tem final feliz, mas transmitem bem
suas mensagens anti-guerra. Na primeira guerra mundial, não havia espaço
para individualismo. Quem era cidadão tinha lutar pelo país nos
campos de batalha, era o seu dever. Vinha com o pacote de fazer parte do país,
era uma conduta compulsória. O mero desejo de não morrer era covardia
punível, paradoxalmente, execução, um crime intolerável.
E nem ao menos era uma luta por um ideal nobre, ou pela defesa de valores. Pessoas
eram reduzidas a números nas estatísticas nos campos de batalha.
Nesse clima pesado surgiram diversas correntes pacifistas que reconheciam o
absurdo da situação e pretendia a repetição desses
horrores. Vinham freqüentemente rodeadas de toda sorte de idéias
nobres, mas o principal fator motivador não chegava a ser um paradigma
de profundidade filosófica: o desejo de continuar vivo. Devia negar-se
ao Estado o direito de desperdiçar as vidas de seus jovens.








align=right bgcolor="#3366CC" width="315">








O exército alemão na ofensiva.





Infelizmente, ao contrário do que afirma o ditado popular, quando um
não quer, apanha do que quer briga. A liga das nações foi
criada com o nobre princípio não só de evitar, como de
proibir a guerra. Como se sabe, o conceito de paz se provou efetivo entre Estados
Democráticos. Desde aquela época, nunca duas democracias travaram
guerra entre si. Mas o mundo na década de 30 estava em grande parte tomado
por regimes totalitários. Milhões de pessoas viviam sob o julgo
do Nacional Socialismo alemão, o Comunismo Sovitético, o Facismo
Italiano e o regime imperial (nazi-fascismo) Japonês. Os países
da Europa Ibérica e da América Latina, em grande parte, não
tiveram melhor sorte. Militaristas e expansionistas, as principais potencias
não-democráticas não partilhavam do ideal de paz estabelecido
pela Liga das nações. Os soviéticos invadem a Polônia,
mas são rechaçados. Os japoneses invadem a China, e ameaçam
guerra contra as potencias ocidentais. A Alemanha, aliada à União
Soviética, treina em solo russo pilotos para a sua futura Luftwaffe (força
aérea), então proibida pelo tratado de Versalhes. A Itália
faz guerra na áfrica expandido suas fronteiras coloniais.


Os aliados históricos ocidentais, traumatizados a morte e destruição
causadas pela primeira guerra, tentam desesperadamente uma política de
apaziguamento. Mesmo diante da chocante retirada do Japão da liga das
nações, o prospecto de uma nova guerra é por demais aterrador.
A Áustria é anexada, mas a despeito disso persistem os esforços
para evitar-se a guerra. Mesmo sob protestos de Churchill, Chamberlain entrega
à Hitler os Sudetos. A Thecoslovakia, uma razoável potencia militar,
cai sem luta à expansão nazista. Os esforços diplomáticos
pela paz apenas facilitam a expansão do nacional socialismo alemão.
Somente com a invasão da Polônia o fracasso da via diplomática
é reconhecido. As potencias ocidentais declaram a guerra contra a Alemanha
e a Europa, novamente, mergulha em um conflito mortal. São surpreendentemente
aterradores os eventos que se seguem. Os aliados contavam, naquele momento,
com o excepcionalmente bem equipado, embora mal motivado exército francês
e uma significativa força expedicionária inglesa na França.


Contudo, o general francês Gamelin, comandante supremo das forças
aliadas, é por demais cauteloso e faz avanços mínimos em
direção à Alemanha. Ocorre que, naquele exato momento,
o exercito alemão estava majoritariamente lutando para subjugar a Polônia.
Este país era, decerto, uma potencia militar que, cerca de uma década
antes, havia rechaçado uma invasão soviética. As fronteiras
ocidentais da Alemanha estavam extremamente mal protegidas e as forças
aliadas poderiam avançar com velocidade, com excelentes chances de vencer
a guerra. Mas devido a um excesso de cautela, os aliados, anacronicamente atrelados
às estratégias da primeira guerra, avançam lentamente e
se fortificam, confiantes que suas defesas eram impenetráveis. Ao total
despreparo tático uniu-se o temor de reviver os horrores da última
guerra.


Mas o mundo havia mudado, e tática de trincheiras era derradeiramente
obsoleta. A blitzkrieg dominaria a Europa. Rápidas unidades blindadas
móveis venciam as partes fracas da linha inimiga, penetravam em seu território
e levavam toda a frente a um colapso. Essa tática forneceu aos alemães
uma vitória decisiva na Polônia, e logo a Wehrmatch marchava em
velocidade total em direção a França, extinguindo uma grande
oportunidade militar perdida. As táticas caducas dos franceses mostraram-se
absolutamente inúteis, e a Lina Maginot provou ser um monumento ao fracasso.
A falta de desejo de luta francês é tanto que, ao ver que a guerra
estava irremediavelmente sendo perdida, há relatos de membros da população
civil colocando carroças em aeródromos militares para impedir
que bombardeiros levantassem vôo contra a Itália. O general Gamelin
tenta desesperadamente evitar que suas forças sejam flanqueadas, mas
não obtém sucesso. O exercito francês, até então
considerado pelos próprios como o melhor do mundo, entra em colapso.








align=right bgcolor="#3366CC" width="315">








Bela foto de um bombardeiro americano na segunda guerra





A derrota não foi propriamente material pois os alemães não
tinham material militar particularmente superior aos franceses. A vitória
vem, principalmente, devido ao uso de táticas militares inovadoras que
negavam todo o modo de lutar do oponente e fazia o melhor uso dos próprios
recursos. Os tanques alemães eram aglutinados em grupos próprios,
as temidas divisões panzer. Os tanques franceses, apesar de não
serem nem ruins nem pouco numerosos como poderia supor o senso comum, estavam
espalhados demais entre as unidades de infantaria para poder oferecer alguma
resistência. Os alemães usavam a infantaria para apoiar os tanques,
o que maximizava sua principal característica, a mobilidade. A tática
francesa consistia praticamente no oposto e teve péssimos resultados.
Os que puderam fugiram para a Inglaterra na retirada de Dunquerque, deixando
o grosso do material bélico aliado fica para trás. Durante 80
dias, a Inglaterra, com um exercito perigosamente desequipado, é o único
país não ocupado a se opor contra o Eixo.


A União Soviética encontrava-se neutra nesse conflito até
ser invadida pela sua então aliada, a Alemanha. Nos EUA, prevalece o
isolacionismo até que o ataque surpresa japonês a Pearl Harbor.
Logo em seguida a Alemanha declara guerra aos EUA. Todos os esforços
por paz falharam. Todas as vias diplomáticas imagináveis, o apaziguamento,
a dissuasão e os acordos de não-agressão, falharam. A inflexibilidade
das potencias ocidentais em não confrontar serviu apenas para renovar
o ímpeto expansionista do Reich alemão. Ao invés de acalmar
os ânimos, apenas encheu-os de recursos e confiança. O pacifismo
dos aliados foi acabou sendo uma perigosa arma de guerra na mão dos nazistas
- a Áustria e a Thecoslovakia foram conquistadas sem guerra. A posição
radicalmente contrária à guerra provou ser perigosamente fútil.
A relutância teve um alto preço. Quando a vontade de luta finalmente
atingiu os aliados, a Europa já havia sucumbido às trevas.


Das cinzas desse conflito surgiu a ONU, com a renovada missão de se
tornar um pólo mediador entre as nações. As lições
da história indicam que o pacifismo não pode ser uma postura inflexível,
a qualquer preço. Não lutar uma guerra pode ter conseqüências
terrivelmente mais graves do que luta-la. Devemos almejar a paz, mas saber quando
for o momento de travar uma guerra. Vacilar num momento crucial pode ter um
custo altíssimo. O desafio consiste em saber quando é a hora de
lutar. Neste novo século, permanece o ideal de que a democracia é
o melhor meio pela busca da paz.

Nenhum comentário: