terça-feira, 10 de junho de 2003

Os Afro-negros do Brasil



Recentemente vi alguém chamar Machado de Assis de “afro-descendente”.
Ora, o referido autor era, sabidamente, mulato. Em outras palavras, “mestiço”,
“moreno”, ou, como o IBGE gosta de chamar, “pardo”. Todas
essas definições são corretas, mas não são
“politicamente corretas”. Agora querem chamá-lo de “afro-descendente”,
a definição que seria politicamente correta, mas de fato incompleta.
Conforme de costume, a verdade é politicamente incorreta.


Machado era tão euro-descendente quanto afro-descendente. Não
era nem só uma coisa, nem outra, sendo portanto igualmente incompleto
define-lo simplesmente como um ou outro. Esse tipo de definição
“afro-descendente” vem do conceito racista de que “uma gota de
sangue negro torna a pessoa inteiramente negra”. Por isso que nos EUA a
Hale Berry é "negra".


É o caso do americano de etnia claramente branca que descobre que tinha
um bisavô negro e fala: “Oh! Eu sou negro!”. Usando esse critério,
quase qualquer um no Brasil pode se dizer “afro-descendente” como
vem ocorrendo sob o critério de “auto-declaração”.
Provar que alguém no Brasil não tem um ancestral negro não
é nada fácil, até o FHC já fez declarações
nesse sentido.


Não se trata de dizer que “o racismo não existe no Brasil”,
mas apenas que é diferente aqui. Duas coisas podem existir ao mesmo tempo
e serem diferentes. Observar que são diferentes não é o
mesmo que negar a existência de uma delas. Nos EUA praticamente não
existia miscigenação racial e o mero conceito de uma pessoa possuir
mais de uma etnia sequer era avaliado demograficamente até o passado
recente.


De qualquer modo, os cientistas não dizem que toda a espécie
humana veio da áfrica? Não seriamos todos, desse modo, “afro-descendentes”?
E até que pontos devem ser misturados localização geográfica
e cor de pele? Tem muitos brancos na Noruega, e muitos negros no Senegal, mas
existem europeus negros e africanos brancos. Seriam os primeiros “afro-europeus”
e os segundos “euro-africanos”?


Fica difícil saber o que o Machado acharia disso tudo. Mas algo me diz
que ele não seria o fã número um do “politicamente
correto”.

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